Mais uma crônica do livro em andamento
" De Minhas Mulheres Sei Eu"
A mini-luneta amarela
das múltiplas
realidades
Por: H. James Kutscka
Estando tudo
correto, a luz apagada e apenas uma lâmpada direcional iluminando o teclado do Lap-top tirou do bolso
a mini- luneta das múltiplas realidades
que havia ganhado dela e trazia
escondida.
É bom que se
fale aqui que uma luneta das múltiplas realidades não é um item muito fácil de
ser encontrado neste vasto planeta de Deus, quanto mais uma mini- luneta das múltiplas realidades pintada de amarelo.
Amarelo
brilhante da cor do sol refletido debaixo para cima nas folhas irrequietas das
copas dos altos Eucaliptos em um entardecer de inverno
Elas não podem
ser compradas, devem ser ganhas e somente devem ser utilizadas longe de
quaisquer testemunhas.
Como ele a
conseguiu não devo contar aqui.
Seu custo?
Talvez um amor perdido, um sussurro no escuro para ninguém, uma música, uma coleção delas, uma lembrança que
não se foi com as outras, quem poderia dizer ou por um preço em tal objeto?
São
extremamente raras, na sua confecção misturados com a argila, tinta e os
cristais entram elementos tão insólitos como a ausência, angustia, recordações
, ( boas e más), amor, desespero e um pouco de lágrimas não vertidas (como
utilizam esses sentimentos e uma inexistência –o caso das lágrima não vertidas-
na composição de um objeto sólido, não
me perguntem, mas dizem os estudiosos da Cabala que em certas circunstâncias e
obedecendo a certas regras tal feito seria exequível em determinadas longitudes
e latitudes sob também pré-determinadas fases da lua, ou simplesmente a aceite
como um dos mistérios da fé.Para que seu funcionamento seja o esperado pelo
fabricante, estes mesmos elementos devem ser encontrados na pessoa que a manuseia.
Outra regra
que deve ser respeitada por quem por sorte for presenteado com uma é a de
entender que nem tudo que ela mostra é necessariamente verdade em alguma
realidade alternativa, mas pode ser.
Escrever
sobre acontecimentos vistos através da luneta não é aconselhado, mas se alguém
resolver fazê-lo o fará ciente de que pode estar escrevendo pura bobagem.
Sabedor de
tudo isso colocou a mini-luneta no seu olho direito, fechou o esquerdo e olhou
para o azul da tela do computador.
Imediatamente
uma miríade de imagens se formou em sua frente, cada uma com vida própria, era
como se houvesse entrado em uma sala cujas paredes estivessem cobertas com
inúmeros monitores que pareciam existir até o infinito o interessante é que em
todos eles era ele o ator principal.
Uma imagem
específica lhe chamou a atenção, ele então se dedicou a observá-la, esquecendo
as outras.
Páginas escritas
com poesias estavam espalhadas pelo asfalto úmido ainda do chuvisco de inverno
que havia caído no final da tarde, para piorar ainda mais as coisas. Ele
curvado as juntava do chão e tentava organizá-las, limpando as folhas o melhor possível e as secando quando o papel por acaso não estava
encharcado nas pernas da calça de jeans no
frio da rua deserta de madrugada. Tratava
de alguma forma salvar o que ainda fosse possível de um sentimento que a poucas
horas devia ter morrido , mas contrariando todas alternativas lógicas
continuava vivo.
As folhas
ele sabia seriam posteriormente guardadas dentro de uma caixa de sapatos que
trazia estampada em sua tampa a marca Clark*.
* Marca famosa de calçados para homens que
conheceu o seu apogeu em meados dos anos 50 no Brasil N.A.
Talvez uma
caixa de papelão não fosse o lugar mais apropriado para se guardar assim
escondido dos possíveis olhares curiosos um pedaço particular do tempo, mas na
verdade ela resistiu muitas mudanças e sobreviveu galhardamente, guardando
aquelas lembranças e a marca que trazia estampada na tampa, da qual poucas
pessoas ainda se recordam.
Na fúria daquela
tarde ao se dar conta de que o que com tanto sofrimento deixará de tomar para
si que acabara sendo tomado por outro sem escrúpulos, mas com um puta tesão, em
uma excursão de férias promovida pelos alunos de medicina da USP à
Bariloche na qual sua namorada fora
sozinha.
Desde então
ele passou a antipatizar com médicos em geral.
Nada
justificava o comportamento dela, a não se, talvez, os hormônios dos dezoito
anos, mas ele soubera controlar os dele, ela não.
Na tela que
ele via através da luneta uma frase apareceu rápida como uma mensagem
subliminar “A ocasião faz o ladrão” como o letreiro de um filme anunciando o
próximo capítulo.
Ele nunca
quis roubar nada, ela até se ofereceu para que ele lhe tirasse a virgindade, o
que recusou por covardia ou cavalheirismo ( isso existia na época). Agora se sentia
um idiota.
E mais que
um idiota, todas as poesias que atirara pela janela num acesso de fúria
intelectual lhe fizeram tanta falta poucas horas depois que ali estava, catando o que o vento deixara e chorando pelas
que se haviam perdido.
Foi um
momento importante de crescimento de menino pra homem, se existe alguma lição a aprender com esse fato é vaga.
Talvez os
sentimentos superem a possessão da carne?
Ser corno
pode ser triste, mas sempre, de alguma forma se você analisar bem vai perceber
que colaborou de maneira vital para receber a honraria.
Em alguma
outra realidade eventualmente nada daquilo havia acontecido, mas ele preferia
aquela.
De qualquer
forma salvou-se a poesia ( que foi possível recuperar) salvaram-se as músicas e
por certo as boas lembranças. Ele podia dizer com toda veracidade na voz que
somente se arrependia na vida daquilo que não havia feito. Com o passar do
tempo salvou-se todo o demais.
Hoje ele tem
uma mini-luneta amarela que possibilita ver múltiplas realidades e tudo que vê
quase sempre tem um final feliz.