sábado, 27 de abril de 2013

Mais uma crônica do livro em andamento
" De Minhas Mulheres Sei Eu"


A mini-luneta amarela

das múltiplas realidades

                                                                                      Por: H. James Kutscka



Estando tudo correto, a luz apagada e apenas uma lâmpada direcional  iluminando o teclado do Lap-top tirou do bolso a mini- luneta  das múltiplas realidades que  havia ganhado dela e trazia escondida.

É bom que se fale aqui que uma luneta das múltiplas realidades não é um item muito fácil de ser encontrado neste vasto planeta de Deus, quanto mais uma mini- luneta das múltiplas realidades  pintada de amarelo.

Amarelo brilhante da cor do sol refletido debaixo para cima nas folhas irrequietas das copas dos altos Eucaliptos em um entardecer de inverno

Elas não podem ser compradas, devem ser ganhas e somente devem ser utilizadas longe de quaisquer testemunhas.

Como ele a conseguiu não devo contar aqui.

Seu custo? Talvez um amor perdido, um sussurro no escuro para ninguém,  uma música, uma coleção delas, uma lembrança que não se foi com as outras, quem poderia dizer ou por um preço em tal objeto?

São extremamente raras, na sua confecção misturados com a argila, tinta e os cristais entram elementos tão insólitos como a ausência, angustia, recordações , ( boas e más), amor, desespero e um pouco de lágrimas não vertidas (como utilizam esses sentimentos e uma inexistência –o caso das lágrima não vertidas-  na composição de um objeto sólido, não me perguntem, mas dizem os estudiosos da Cabala que em certas circunstâncias e obedecendo a certas regras tal feito seria exequível em determinadas longitudes e latitudes sob também pré-determinadas fases da lua, ou simplesmente a aceite como um dos mistérios da fé.Para que seu funcionamento seja o esperado pelo fabricante, estes mesmos elementos devem ser encontrados  na pessoa que a manuseia.

Outra regra que deve ser respeitada por quem por sorte for presenteado com uma é a de entender que nem tudo que ela mostra é necessariamente verdade em alguma realidade alternativa, mas pode ser.

Escrever sobre acontecimentos vistos através da luneta não é aconselhado, mas se alguém resolver fazê-lo o fará ciente de que pode estar escrevendo pura bobagem.

Sabedor de tudo isso colocou a mini-luneta no seu olho direito, fechou o esquerdo e olhou para o azul da tela do computador.

Imediatamente uma miríade de imagens se formou em sua frente, cada uma com vida própria, era como se houvesse entrado em uma sala cujas paredes estivessem cobertas com inúmeros monitores que pareciam existir até o infinito o interessante é que em todos eles era ele o ator principal.

Uma imagem específica lhe chamou a atenção, ele então se dedicou a observá-la, esquecendo as outras.

Páginas escritas com poesias estavam espalhadas pelo asfalto úmido ainda do chuvisco de inverno que havia caído no final da tarde, para piorar ainda mais as coisas. Ele curvado as juntava do chão e tentava organizá-las, limpando as folhas  o melhor possível e  as secando quando o papel por acaso não estava encharcado nas pernas da calça  de jeans no frio da rua deserta  de madrugada. Tratava de alguma forma salvar o que ainda fosse possível de um sentimento que a poucas horas devia ter morrido , mas contrariando todas alternativas lógicas continuava vivo.

As folhas ele sabia seriam posteriormente guardadas dentro de uma caixa de sapatos que trazia estampada em sua tampa a marca Clark*.

* Marca famosa de calçados para homens que conheceu o seu apogeu em meados dos anos 50 no Brasil  N.A.

Talvez uma caixa de papelão não fosse o lugar mais apropriado para se guardar assim escondido dos possíveis olhares curiosos um pedaço particular do tempo, mas na verdade ela resistiu muitas mudanças e sobreviveu galhardamente, guardando aquelas lembranças e a marca que trazia estampada na tampa, da qual poucas pessoas ainda se recordam. 

Na fúria daquela tarde ao se dar conta de que o que com tanto sofrimento deixará de tomar para si que acabara sendo tomado por outro sem escrúpulos, mas com um puta tesão, em uma excursão de férias promovida pelos alunos de medicina da USP à Bariloche  na qual sua namorada fora sozinha.

Desde então ele passou a antipatizar com médicos em geral.

Nada justificava o comportamento dela, a não se, talvez, os hormônios dos dezoito anos, mas ele soubera controlar os dele, ela não.

Na tela que ele via através da luneta uma frase apareceu rápida como uma mensagem subliminar “A ocasião faz o ladrão” como o letreiro de um filme anunciando o próximo capítulo.

Ele nunca quis roubar nada, ela até se ofereceu para que ele lhe tirasse a virgindade, o que recusou por covardia ou cavalheirismo ( isso existia na época). Agora se sentia um idiota.

E mais que um idiota, todas as poesias que atirara pela janela num acesso de fúria intelectual lhe fizeram tanta falta poucas horas depois que ali estava,  catando o que o vento deixara e chorando pelas que se haviam perdido.

Foi um momento importante de crescimento de menino pra homem,  se existe alguma  lição a aprender  com esse fato é vaga.

Talvez os sentimentos superem a possessão da carne? 

Ser corno pode ser triste, mas sempre, de alguma forma se você analisar bem vai perceber que colaborou de maneira vital para receber a honraria.

Em alguma outra realidade eventualmente nada daquilo havia acontecido, mas ele preferia aquela.

De qualquer forma salvou-se a poesia ( que foi possível recuperar) salvaram-se as músicas e por certo as boas lembranças. Ele podia dizer com toda veracidade na voz que somente se arrependia na vida daquilo que não havia feito. Com o passar do tempo salvou-se todo o demais.

Hoje ele tem uma mini-luneta amarela que possibilita ver múltiplas realidades e tudo que vê quase sempre tem um final feliz.


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