sábado, 5 de junho de 2021

 



Mr. Wong

Por H. James Kutscka 

 

Todo mundo conhece, e se não conhece deveria conhecer o personagem (assim mesmo, no singular, pois trata-se da mesma pessoa) Dr. Henry Jekyll e o senhor Edward Hyde, conhecidos de maneira mais popular por Dr. Jekyll e Mr . Hyde, do primeiro livro a ter um personagem com dupla personalidade, fenômeno nomeado mais tarde na psiquiatria como TDC (transtorno dissociativo de caráter).

Era 1886 e Robert Louis Stevenson, que já em 1883 havia encantado o mundo das letras com “A Ilha do Tesouro”, lançava um romance gótico que poderia ser considerado (utilizando-me de uma expressão atual um “blockbuster”), “O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde” popularmente conhecido como “O Médico e o Monstro”

O sucesso foi tal que em 1920 o livro virou filme (ainda mudo) dirigido por John S. Robertson com John Barrymore no papel principal.

A história não perdeu seu encanto e em 1941 voltou às telas em uma superprodução com Spencer Tracy, Ingrid Bergman e Lana Turner dirigidos por Victor Fleming, o mesmo diretor que um ano antes havia ganhado o Oscar pela direção de “Gone With the Wind”.  

O tema do transtorno dissociativo de caráter volta a ser explorado no cinema em 1957 no filme “As Três Faces de Eva” baseado no romance do mesmo nome de Corbeth H. Thigpen  e  Hervey M. Cleckley (esses sim duas pessoas diferentes)  então com Joanne Woodward  interpretando  as três personalidades: Eve White, Eve Black e Jane (sem comentários sobre os nomes  da personagem para evitar as patrulhas racistas).

Tudo isso para chegar a nosso Mário Quintana, poeta preferido de meu pai e um poema seu: “O Estranho Caso   de Mr. Wong”, nele Quintana descreve um médico altruísta, Dr. Jekill, Mr. Hyde um “desrecalcado” e uma terceira personalidade: um chinês, Mr Wong, todos habitando o mesmo corpo.  O poeta os coloca em um camarote de teatro onde Dr. Jekill compenetrado presta atenção no que é encenado no palco, Mr Hyde arrisca um olho no decote da senhora vizinha, enquanto Mr Wong completamente alienado ao que se passa ao redor encontra-se ocupado contando carecas na plateia.

Os fatos das últimas semanas, onde beócios ofendem com sua obtusidade e prepotência médicas consagradas em uma CPI digna de teatro mambembe, tentando impingir a culpa  das mortes pela praga chinesa ao nosso presidente sem que haja uma resposta à altura  por parte das autoridades ou mesmo da população de bem (com a honrosa  exceção da Associação Médica Brasileira que pediu para ser ouvida na CPI e do Simers “Sindicato Médico do Rio Grande do Sul”, que emitiu uma nota de repúdio pelo tratamento dispensado pelos “inquisidores” à Dra, Nise), me leva a crer  que a maioria de nossa população leva dentro de si como um parasita intra celular obrigatório (a maneira de dizer aquela palavra, começada com “V” que não deve ser escrita para evitar ser proscrito das redes) um Mr. Wong personalidade que independente da coincidência oriental do momento, parece  estar presente há muito tempo no inconsciente de nosso povo e que no momento esta preocupado com algo mais importante: como quantas pessoas estavam sem máscara ao redor do presidente no último evento para informar  aos repórteres .

Ninguém se levanta para citar não o número de mortos, mas os milhões que foram salvos graças ao tratamento precoce, ou a espetacular recuperação da economia que cresceu acima dos quatro por cento, mesmo diante do saque feito aos cofres federais para prefeitos e governadores combaterem a “fraudêmia”.

Os milhões de Mr. Wongs entram no armário e vão para Nárnia, enquanto os Hyde incorporando Torquemada no auge do seu estrelato na Inquisição espanhola, prepara a fogueira para Dra. Nise Yamaguchi e Dra. Mayra Pinheiro (cujo único erro foi haver aceitado o cargo de Secretária do Ministério da Saúde) duas médicas que ousaram desafiar a narrativa conveniente aos Hyde, que no momento são a personalidade dominante do transtorno dissociativo de caráter que abrange a política brasileira.

Estamos juntos no teatro de Quintana assistindo ao vivo uma encenação de “Os Médicos e os Monstros” com a participação especialíssima do Mr. Wong que habita os labirintos do cérebro da maioria dos brasileiros com direito a transmissão por televisão.

Enquanto escrevia este artigo perdi a noção do tempo.

Lá fora a noite “caiu” sem emitir nenhum ai.

Olho para meu pulso esquerdo para ver as horas e lá está o velho relógio Ômega sem luxo, mas honesto em seu dever de marcar as horas, comprado por meu pai na Suíça. Seu coração batendo perfeitamente em sincronia com cada segundo invisível que passa, sobreviveu a meu pai e muito provavelmente sobreviverá a mim (os ladrões só gostam de Rolex), como na poesia de Quintana, o que encantava meu pai, era a simplicidade muitas vezes intrincada em seu interior que dispensa adornos exteriores.

Ficará talvez para meu filho que o esquecerá em uma gaveta para a eternidade, já que jovens não usam mais relógios, os telefones de hoje fazem tudo. Penso que seria importante alguém desenvolver um aplicativo para falarmos com o além.

Seria muito bom para matar a saudade de meus queridos velhos e pedir-lhes alguns conselhos, também para falar com amigos que se foram sem a delicadeza de se despedir. dos quais sinto falta para discutir o bizarro espetáculo que estamos sendo obrigados a assistir pela inanição de quem deveria ter posto um fim na paródia já há muito tempo.

Por último, um conselho de Mr. Wong o contador de carecas: Sentindo-se mal procure um jornalista ou político, eles entendem tudo de medicina, esqueça os médicos, eles são bons mesmo é para espalhar fofocas, para defender nossa democracia e a lei conte sempre com a sabedoria e justiça dos “Iluministros” do Supremo e com os Generais estrelados que se rebelam contra decisões do Chefe Supremo das Forças Armadas.        

Como com propriedade diria Asterix: - Não temos nada a temer a não ser que o céu nos caia sobre a cabeça, o que “pelo andar da carruagem” pode até vir a acontecer.

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